Uma borboleta e um bago de quinoa entram num supermercado
Em 1972, depois de mais de uma década de estudos, o matemático e meteorologista americano Ed Lorenz apresentou ao mundo a teoria do caos, que tinha por base a intrigante questão: “Poderá o bater de asas de uma borboleta no Brasil desencadear um tornado no Texas?”Se o bater de asas de uma borboleta puder ser instrumental na criação de um tornado, então também o podem ser todos os bateres de asas anteriores e futuros, tal como todos os bateres de asas de milhões de outras borboletas.
Esta teoria de Edward Lorenz aplica-se à ciência e ao estudo dos fenómenos naturais, mas pode também servir de metáfora para o sistema alimentar e para o impacto potencial das escolhas que fazemos.
Será que, tal como o bater de asas de uma borboleta, uma boa garfada de quinoa pode desencadear uma alteração profunda na nossa forma de comer? Uma talvez seja pouco. Mas muitos milhões de garfadas podem ditar alterações nos sistemas alimentares. Na teoria, é o caos. Na prática, mudam-se os tempos, as vontades, os hábitos alimentares e os ecossistemas. É confuso? Passamos a explicar.
O que comemos limita as opções de escolha
Das várias centenas de milhares de espécies de plantas conhecidas atualmente, apenas cerca de 150 são cultivadas para a alimentação humana. Destas, 30 representam 95% das calorias que são consumidas a nível mundial. E há três plantas – apenas três! – que valem mais de metade deste consumo: milho, arroz e trigo.
Na prática, mais de metade da comida que consumimos todos os dias é feita à base de milho, arroz e trigo. E estes alimentos são cultivados praticamente da mesma forma e quase sempre nos mesmo locais.
Agora, coloquemos o fator população nesta equação: em 2050, seremos 9 mil milhões a viver no planeta (mais 1,2 mil milhões do que em 2021) e, considerando os padrões alimentares atuais, a produção alimentar terá que aumentar cerca de 70% para que todos tenham acesso à alimentação.
Para além da procura, será que a diversidade no consumo de alimentos pode crescer?
Outra vez arroz? Há mais sabores para experimentar
A falta de diversidade (e por vezes de criatividade) nos nossos hábitos alimentares tem impacto direto na nossa saúde e no ambiente.
Esta forma de produção agrícola é geralmente utilizada em variedades mais resistentes ao clima, mas pode também ser mais suscetível a doenças e pragas. Se um determinado inseto “gostar” destas monoculturas, estas plantações são alimento constante para esses insetos. Havendo mais variedade, o “alimento” disponível para eventuais pragas seria menor.
Ao mesmo tempo, a prática de monoculturas é mais propícia a provocar o esgotamento dos solos – e mais rapidamente. A plantação repetida e intensiva das mesmas culturas extrai do solo sempre os mesmos nutrientes. E tal como o solo fornece nutrientes às plantas, também as plantas fornecem nutrientes ao solo quando morrem e entram em decomposição. Quanto mais variedade, mais nutrientes, e mais oportunidade para o solo regenerar o que “perdeu”.
A consequência mais severa da falta de diversidade de alimentos que comemos é a perda rápida de biodiversidade, tanto de plantas como dos animais que tinham nestas culturas perdidas a sua fonte de alimento ou habitat.
Porque devemos ter fome de mudança
Por sua vez, a falta de diversidade na dieta humana tem implicações na saúde e muitas partes do mundo sofrem “epidemias” de subnutrição – consomem-se as calorias recomendadas por dia, mas sem os nutrientes, vitaminas e minerais essenciais a uma alimentação saudável.
De acordo com o relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2020” da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), mais de 690 milhões de pessoas vivem com fome – o que representa cerca de 9% da população mundial.
Grande parte vive em situação de pobreza extrema, em países em desenvolvimento localizados em África, Sudeste Asiático, América Latina e Caraíbas. São áreas muito dependentes da agricultura e há comunidades inteiras que vivem em exclusivo da produção de café, cacau, batata-doce, mandioca, arroz, milho, soja e banana.
Uma das formas de apoiar os pequenos produtores é comprar produtos com certificados de sustentabilidade, ou seja, que cumprem critérios de sustentabilidade ambiental e social. Isto significa que os produtores são incentivados a gerir de forma responsável as suas áreas de cultivo (conservando as florestas das quais dependem), sendo compensados justamente pelo seu trabalho. Desta forma asseguram alimentação para as suas famílias e acesso à educação e a cuidados de saúde.
A borboleta bate novamente as asas: pode a compra do seu chocolate ou café favorito impactar positivamente a vida das comunidades agrícolas que os produzem na Colômbia ou em África? A resposta é mesmo sim.
O segredo está no equilíbrio
Comer de forma saudável e sustentável envolve muitas variáveis. De uma forma muito simples, estas são algumas dicas que pode seguir:
- Adotar uma alimentação diversificada e equilibrada, sem ser em grandes quantidades
- Preferir alimentos frescos e menos processados
- Fruta, vegetais, grãos e leguminosas devem ser consumidos mais vezes do que carne, pescado ou outros produtos de origem animal (Mas atenção! A falta destes alimentos pode criar insuficiências de ácidos gordos, minerais e vitaminas no organismo. Qualquer que seja a sua escolha, o importante é diversificar a alimentação e ter uma dieta equilibrada, que supra o organismo de todos os nutrientes necessários.)
- Reduzir o desperdício alimentar
- Escolher produtos provenientes de agricultura biológica, produzidos localmente, sazonais e que tenham certificações de produção sustentável
Tal como o bater das asas de uma borboleta, uma escolha de cada vez pode mesmo desencadear um movimento de mudança alimentar. Vamos a isso?