Atum? Que grande lata!
É sexta-feira à noite e, depois de uma longa semana de trabalho, a Raquel quer sair para jantar. Analisa as opções e escolhe um dos melhores restaurantes de sushi da cidade, onde lombos de atum fresco são cortados pela lâmina afiada do chef e sob o olhar atento do cliente. Na mesma noite, não muito longe do restaurante em questão, o fim de semana do Pedro começa com um jantar rápido em casa: abre uma das várias latas de atum que encontra no armário, adiciona-lhe um pouco de maionese e especiarias, e barra esta pasta no interior de um pão crocante, onde rodelas de tomate e folhas de alface a esperam.
Se não lhe abrimos o apetite, esperamos ter-lhe despertado a curiosidade. O atum – fresco ou em lata, sob a forma de uma humilde sandes ou de uma sofisticada peça de sushi ou sashimi – tem uma história de superação para contar. Outrora considerado como um produto inferior em determinadas regiões, chegando a ser utilizado como adubo ou para alimentar os animais, o atum é hoje um dos peixes mais procurados e consumidos nos quatro cantos do mundo.
Sendo tão consumido fora do mar, o que estará a acontecer no seu habitat? Sabendo-se que 99,4% do atum consumido é capturado no oceano (apenas 0,6% é proveniente de aquacultura de engorda), a resposta revela o outro lado do seu sucesso: a sobre-exploração da espécie. Mergulhemos na história do atum.
A história e a origem do atum
De grande porte, predador voraz e nadador exímio, é assim o atum (Thunnus, da família Scombridae). Este peixe migratório percorre milhares de quilómetros, em ciclos anuais de desova e alimentação. Pode ser encontrado um pouco por todos os oceanos, embora seja predominante nas águas mais quentes do Pacífico, do Índico e do Atlântico (sobretudo no mar Mediterrâneo).
Desde tempos imemoriais que o atum encontra no ser humano um dos seus principais predadores. No Japão, a pesca de atum remonta a mais de 5.000 anos, mas, já na Idade da Pedra, este peixe era protagonista de pinturas rupestres.
É a partir de 1900 que a indústria conserveira altera o paradigma da pesca do atum. Perante a escassez de sardinha, o peixe que era mais usado na altura para conservas, o pescador californiano Albert P. Halfhill, “tem a lata” de começar a usar atum, que era barato e abundante. Sendo um alimento proteico, acessível e de rápido consumo, o atum ganhou popularidade junto dos consumidores, em particular, durante a Segunda Guerra Mundial.
A pesca do atum aumentou muito ao longo do século XX, devido à procura crescente, ao desenvolvimento da indústria conserveira, e ao sucesso do mercado de sushi e sashimi, que abriu novas portas ao consumo desta espécie.
Portugal e o atum
Desde o século XIX que o atum está enraizado na economia e na gastronomia portuguesas. Os cardumes que passavam pela costa algarvia em direção ao Mediterrâneo eram pescados e depois conservados através da salga. Este método foi substituído pela conserva em 1865, quando nasce em Vila Real de Santo António a primeira fábrica de conservas de peixe do país.
O Algarve continua a ser a região portuguesa onde mais se captura atum (cerca de 235 toneladas anuais), embora possa também ser encontrado nos Açores, sobretudo o atum gaiado e o atum patudo, onde é praticada uma das artes de pesca mais sustentável, a linha e vara.
Que espécies de atum existem?
Entre as 14 espécies de atum que habitam os oceanos, são cinco as espécies consumidas a nível mundial: atum-voador, atum-patudo, atum-rabilho, atum-gaiado e atum-albacora.
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Atum-gaiado ou bonito (Katsuwonus pelamis)
É o mais pequeno e abundante dos atuns – dois motivos que, a par do seu baixo custo e do facto de não ter escamas, o tornam na espécie mais utilizada pela indústria conserveira. Cerca de 60% de todo o atum capturado é gaiado e, dessa quantidade, cerca de metade é pescada no oceano Pacífico e tem certificação MSC, garantindo a gestão sustentável das pescarias.
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Atum-albacora (Thunnus albacares)
É a segunda espécie de atum mais capturada (cerca de 28% das capturas mundiais), sendo sobretudo vendido congelado ou em filetes frescos. De cor clara e sabor suave, é muito apreciado na sua versão crua.
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Atum-patudo (Thunnus obesus)
Representa cerca de 7% das capturas globais e é muito usado para o sashimi, podendo ser um substituto do atum rabilho, já que o facto de navegar pelas profundezas do mar confere-lhe uma maior camada de gordura.
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Atum-voador (Thunnus alalunga)
Representa cerca de 4% das capturas de atum a nível mundial, sendo mais consumido nos EUA. Nos últimos anos, tem perdido relevância para outras espécies mais procuradas, como o rabilho.
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Atum-rabilho (Thunnus thynnus)
Considerado “o atum dos atuns”, é típico do Atlântico e Mar Mediterrâneo e bastante procurado pela indústria do sushi (80% das capturas são consumidas no Japão). Embora ainda seja alvo de alguma sobrepesca, os stocks desta espécie têm vindo a melhorar. Em 2022, o atum rabilho representou 1% das capturas globais.
Porque é que é importante preservar o atum?
O equilíbrio do ecossistema marinho depende, em grande parte, do atum. Este predador de topo transporta nutrientes para a superfície dos oceanos, contribuindo para o desenvolvimento do plâncton, para a produção de oxigénio e para a captura de dióxido de carbono. Sendo o peixe com o maior valor económico do oceano, o atum contribui para o desenvolvimento económico de diversos países, para a subsistência de comunidades locais e para o sistema alimentar a nível global. É fonte de rendimento, de proteína e de nutrientes.
Como resultado da elevada procura, a sobrepesca do atum, ou seja, a captura numa quantidade superior à sua capacidade de regeneração, ameaça a sua subsistência. Em última instância, é da possibilidade da sua extinção que estamos a falar. Nos últimos anos, fruto das iniciativas internacionais para travar esta tendência, os stocks de atum estão a melhorar e encontram-se num nível de abundância mais estável.
Há medidas em vigor, como o plano de recuperação das populações de atum no Atlântico e no Mediterrâneo, criado em 2009 pela Comissão Internacional para a Conservação do Atum do Atlântico (ICCAT) e que impõe controlos rigorosos à pesca do atum. Desde 2021, duas espécies de atum-rabilho, uma de atum-albacora e uma de atum-voador deixaram de estar criticamente ameaçadas ou saíram da lista internacional de espécies ameaçadas.
O relatório de 2024 do International Seafood Sustainability Foundation (ISSF) indica que, do total de 5,2 milhões de atuns comerciais capturados em 2022, 86% provinha de unidades populacionais saudáveis em termos de abundância.
Como é que se pesca atum?
O atum pode ser capturado através de três artes de pesca principais, todas com possibilidade de certificação de sustentabilidade como a MSC:
- Linha ou “salto e vara”: tipo de pesca artesanal através da qual é capturada apenas a espécie e a quantidade pretendida, um peixe de cada vez. Quando um cardume é avistado, o barco cria uma espécie de “chuveiro” que simula o efeito de um cardume na água e espalha isco à superfície (por exemplo, sardinhas). Iludido, o atum nada na sua direção, onde, dentro do barco, os pescadores e as suas canas os esperam.
- Redes de cerco: usadas em mar aberto para capturar cardumes de uma só vez. Uma rede vertical cerca o cardume e, depois, o fundo é puxado para envolver o peixe.
- Palangre: para atrair o peixe-alvo, uma longa linha de pesca com anzóis iscados é colocada horizontalmente no mar.
Benefícios do atum numa alimentação saudável
O atum é um peixe gordo, tal como a sardinha, o arenque, a cavala, o salmão ou a truta, sendo um ingrediente comum na dieta mediterrânica. Em comparação com estes peixes, tem o menor valor de gordura e o maior teor de proteínas – 100 g de atum fresco ou em conserva contém cerca de 24 g de proteína de qualidade. O atum também é:
- rico em ácidos gordos polinsaturados (cerca de 7 g por cada 100 g), nomeadamente Ómega-3, que é reconhecido pelo seu efeito benéfico na saúde cardiovascular;
- fonte de vitamina B12, vitamina D e niacina (B3), bem como de fósforo e potássio;
- pobre em calorias, com cerca de 140 kcal por 100 g de atum fresco (o atum em conserva ao natural ronda 100 kcal por 100 g, sendo mais calórico quando conservado em óleo ou azeite).
Cada pessoa é “especialista” numa receita com atum – seja a clássica massa com atum, uma fresca salada de grão (ou será de feijão-frade?), ou um reconfortante empadão ou arroz de atum. Seja fresco ou em lata, inspire-se na cozinha e prepare estas receitas com atum. E, já sabe, para evitar a sobre-exploração das espécies, varie o seu consumo de pescado!
Certificação MSC
Várias organizações sem fins lucrativos têm um papel relevante na conservação dos oceanos – o Marine Stewardship Council (MSC) é uma delas. O MSC certifica a pesca responsável a nível mundial, avaliando a forma como é garantida a continuidade das espécies e a manutenção dos stocks, o impacto ambiental e o cumprimento da legislação. Confirmados os padrões de pesca do MSC, os produtos são certificados através de um selo azul colocado nas embalagens. Segundo o MSC, 50% do atum mundial está envolvido no seu programa de pesca sustentável.
Pescado Sustentável no Grupo Jerónimo Martins
A Estratégia de Pescado Sustentável do Grupo Jerónimo Martins visa garantir que os produtos de pescado fresco, congelado ou enlatado vendidos nos perecíveis e na Marca Própria não contribuem para a sobre-exploração, depleção ou extinção de espécies. Com o mesmo fim, é promovida a diversificação do sortido como forma de reduzir a pressão sobre as espécies de pescado selvagem mais consumidas, assim como alternativas provenientes de aquacultura de mar. Saiba mais sobre a política de compras responsáveis do Grupo Jerónimo Martins.