“Esqueletos” no armário
A mudança de estação convida a renovar o guarda-roupa para corresponder às temperaturas e às últimas tendências da moda mas, ao fazê-lo, podemos estar a prejudicar o ambiente e a contribuir para as desigualdades sociais. Alguma vez se questionou como é que certas peças de roupa podem ser tão baratas? Ou como é que há novas coleções em tão pouco tempo? A resposta dá pelo nome de fast fashion.
Estima-se que todos os anos sejam produzidos 100 mil milhões de peças de vestuário. A maioria da roupa é usada apenas 7 a 10 vezes antes de ser deitada fora e o resultado é que cerca de 92 milhões de toneladas de peças de roupa acabam em lixeiras, ano após ano.
Esta produção em massa na indústria da moda tem consequências no planeta e nas comunidades. É, por isso, importante tomar consciência da realidade que existe em cada peça que compõe o guarda-roupa.
Sabia que a roupa sustentável é um dos pilares de uma economia circular?
O verdadeiro preço da fast fashion
De acordo com um estudo da Ellen MacArthur Foundation, a indústria da moda utiliza maioritariamente fontes de energia não renováveis (como é o caso do petróleo) para produzir fibras sintéticas, fertilizantes para o cultivo de algodão e corantes para tingir têxteis. Estes materiais libertam grandes quantidades de dióxido de carbono e de outros poluentes, contribuindo para o aumento da pegada ecológica do setor têxtil.
Sabia que só a indústria da moda é responsável por mais emissões de gases com efeito de estufa do que todos os transportes aéreos e marítimos combinados?
Além disso, todo o processo envolve o uso de uma grande quantidade de água, um recurso precioso e escasso.
Apenas 1% das roupas descartadas são recicladas e transformadas em novas peças; a grande maioria das peças, cerca de 75%, são queimadas ou incineradas, libertando novamente dióxido de carbono para o ambiente no seu fim de vida.
Quando se está a lavar roupa, são libertados microplásticos que vão parar aos oceanos, prejudicando a biodiversidade e contaminando as cadeias alimentares.
Ao mesmo tempo, para ser possível lançar milhares de novos modelos durante o ano, várias vezes ao ano, e a preços baixos, as condições laborais são muitas vezes precárias. Basta imaginar as longas horas de trabalho, os baixos salários e a exposição a materiais tóxicos. A falta de transparência de algumas marcas relativamente a estes temas levanta questões de direitos humanos e de direitos laborais, como o trabalho infantil, o trabalho forçado ou o respeito pelas regras da saúde e da segurança.
O verdadeiro preço da fast fashion é, assim, muito mais elevado do aquele que o consumidor paga. A fatura fica sobretudo a cargo do ambiente e das comunidades desfavorecidas onde muita da roupa é produzida.
Se muda a estação, porque não mudar os hábitos?
A solução para combater a fast fashion passa pela utilização de mais energias renováveis, pela redução ou eliminação do uso de materiais e químicos tóxicos e pela moderação no consumo, ao usar com mais frequência peças de vestuário e calçado, ao primar pela transparência na escolha de marcas e produtos e ao implementar a reciclagem destes materiais.
Para contrariar a tendência da fast fashion, surge a slow fashion. Ou seja, roupa sustentável cuja produção, uso e ciclo de vida, incluindo fim de vida, têm impactos reduzidos no ambiente.
As principais vantagens da maioria deste tipo de produção é a utilização de menos recursos e a produção de menos poluentes e CO₂. Além disso, a libertação de tóxicos ou microplásticos destas peças é menor ou inexistente, podendo ser recicladas.
Fast fashion: elevadas emissões de CO₂, exploração de mão de obra, esgotamento de recursos naturais, microplásticos no oceano; Slow Fashion: uso de menos recursos, produção ética e consumo consciente, materiais ecológicos, de maior qualidade e durabilidade, menor impacto no planeta.
Para ajudar no momento da escolha, procure por estes materiais nas etiquetas:
- Materiais naturais de produções biológicas (como algodão, linho, fibra de cânhamo, bambu, cortiça);
- Para quem está confortável em escolher materiais de origem animal, preferir produções sustentáveis como lã (de ovelha, merino, alpaca, caxemira, de camelo, iaque) ou seda;
- Materiais reciclados (poliéster, algodão, plástico);
- Materiais reaproveitados (excedentes de produção, cabedal);
- Novos materiais sustentáveis (“lã” vegan feita de fibras vegetais, imitação de cabedal feito de cascas de frutas, alternativa vegan à seda, Lyocell).
10 dicas para renovar o guarda-roupa de forma sustentável
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Verifique o que já tem
O primeiro passo é perceber a extensão do seu guarda-roupa. Sugerimos que o esvazie e que disponha todas as peças em cima da cama, por exemplo. É possível que se aperceba que tem mais coisas do que pensava, ou que tem peças que já não usa.
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Repare o que puder
Algumas peças poderão apenas precisar de alguma intervenção para voltarem a ficar impecáveis. Identifique as que são para manter e quais é que podem ser reparadas por si ou por um profissional. Assim, evitará a compra de novas peças e poderá reduzir a sua pegada ecológica. Um bolso descosido ou um botão a menos são facilmente reparados, bem como uma sola de sapato descolada, uma biqueira esfolada, ou ainda um pequeno rasgo.
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Doe ou recicle o que não usa
Entre as peças em bom estado, quantas voltará mesmo a usar? O melhor destino para as roupas que não quer manter é uma organização social ou de caridade – ou até mesmo os seus amigos ou familiares. É possível que já tenha passado por algum contentor de recolha de roupa – pode colocar aí as suas peças, que serão doadas a associações ou encaminhadas para reciclagem.
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Altere e transforme as suas roupas
Se há peças com as quais já não se identifica, mas que têm algo que lhe agrada (cor, formato, material), porque não fazer um upcycling? Uma camisa pode tornar-se num colete, um par de calças numa saia ou calções, uma camisola de malha num gorro… e muito mais.
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Pense duas vezes antes de comprar
Agora que já organizou as suas peças, questione-se sobre a necessidade de comprar mais. Um guarda-roupa de estação tem, normalmente, entre 25 e 50 peças, incluindo roupas, calçado e acessórios, excluindo roupa interior. Com esta quantidade é possível fazer combinações suficientes para não repetir o mesmo outfit durante semanas!
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Dê prioridade a materiais naturais e de qualidade
Ainda que o preço de roupa com menos qualidade seja tentador, é quase certo que o desgaste será mais rápido, bem como a sua substituição. A longo prazo, é mais dispendioso (para a carteira e para o planeta). Aposte em materiais naturais, duradouros e o mais sustentáveis possível, como lhe indicámos mais acima neste artigo.
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Compre em segunda mão
Se não tem nenhuma peça em segunda mão, dê uma oportunidade a esta tendência. Um olhar mais atento numa loja ou num dos vários sites e apps de roupa e calçado em segunda mão, pode revelar muitas peças em ótimo estado e com qualidade.
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Prefira marcas e lojas responsáveis
Além das lojas de segunda mão, escolha marcas nacionais e responsáveis cujas peças são, muitas vezes, feitas à mão, e usando excedentes têxteis de outras produções. Um exemplo de uma marca sustentável que alia a moda à economia circular é a Vintage For A Cause. Pode também consultar o relatório anual da Fashion Revolution, que analisa as operações de 250 marcas e retalhistas de moda nível mundial.
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Crie um guarda-roupa cápsula
Num guarda-roupa cápsula, as peças são intercambiáveis e podem ser usadas em rotação sem ter de repetir conjuntos – bastam 9 peças para começar! O segredo é incorporar peças com estilo intemporal, de cores mais sóbrias e sem padrões marcados. O objetivo é maximizar o número de combinações com o mínimo de peças possível.
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Aposte na criatividade
A última dica que lhe damos é: use a imaginação! Uma peça de roupa acidentalmente manchada não precisa de ir para o lixo ou de se tornar num trapo para limpar o pó. Muitas peças podem ser usadas em mais do que uma estação, com diferentes combinações e acessórios. Reavalie o seu guarda-roupa através de uma lente criativa e deixe-se surpreender com os resultados.