Nem todos podem ser A Bela Adormecida

No que ao sono diz respeito (e não só), somos todos diferentes. Por exemplo, há quem durma como uma “pedra”, quem tenha um sono tão leve que desperta com qualquer barulho ou ligeira claridade, e quem sofra de insónias. Também é comum conhecermos quem adore prolongar o sono até muito depois do sol nascer, e quem considere o ato de dormir meramente funcional, preferindo madrugar.

Talvez a personagem que mais perceba do assunto seja A Bela Adormecida. Segundo a história original, o sono profundo da princesa durou 100 anos e não é por acaso que esta é uma das alcunhas aplicadas a alguém que dorme muito. Seja qual for a sua relação com o sono, ficar acordado não é opção – dormir é uma necessidade básica humana e uma função fundamental à sobrevivência. Mais do que “cair” no sono, é preciso dormir bem.

O que é dormir bem?

Tal como acontece com a alimentação, dormir é um processo biológico complexo. Tem impacto direto na saúde física e mental, permitindo um correto funcionamento do organismo. Embora não nos apercebamos, há muita coisa a acontecer enquanto dormimos.

Para dormir bem, cada pessoa deve passar por quatro a seis ciclos de sono por noite, cada um com quatro fases distintas. Nas primeiras três fases, inseridas na categoria de sono não-REM (não existe movimento ocular rápido), a atividade cerebral baixa, os músculos relaxam e a respiração é regular. A quarta fase é o sono REM (movimento ocular rápido), em que a atividade cerebral é semelhante à que experienciamos quando estamos acordados, existindo um aumento do ritmo cardíaco e uma respiração mais irregular.

O que quer dizer REM?

O sono REM – sigla para “rapid eye movement”, que em português significa “movimento ocular rápido” - é uma fase do sono associada aos sonhos e à consolidação da memória. Foi descoberto na década de 1950, quando cientistas que estudavam o sono dos bebés repararam que havia períodos em que os seus olhos se moviam rapidamente de um lado para o outro. Estes movimentos oculares rápidos deram o nome ao sono REM.

As quatro fases do sono

  • Fase 1:

    Acontece após se adormecer e dura entre 1 e 7 minutos.

  • Fase 2:

    Pode ir até aos 25 minutos e, tal como na primeira fase, o sono é leve, sendo mais fácil acordar.

  • Fase 3:

    Caracteriza-se por um sono profundo, quando existe produção de hormonas e recuperação de células e órgãos. É de extrema importância, e dura entre 20 e 40 minutos.

  • Fase 4:

    É a fase de sono REM. Prolonga-se por 10 a 60 minutos, e é quando acontecem os sonhos mais intensos e em que se fixam memórias, sendo essencial para o cérebro.

As quatro fases repetem-se em cada um dos quatro a seis ciclos de sono, e o tempo de REM vai aumentando, ocorrendo na sua maioria durante a segunda parte da noite.

Esta chamada “arquitetura do sono” ajuda a perceber porque é que “dormir bem” não está meramente relacionado com o número de horas de sono, está também ligado à qualidade do sono. A maioria dos adultos precisa de cerca de duas horas de sono REM por noite, pelo que garantir que o tempo que passamos a dormir é de qualidade, ou seja, que completamos estes 4 a 6 ciclos por noite, é essencial para o correto restabelecimento do organismo. Cada ciclo, com todas as fases de sono completas, demora cerca de 90 a 120 minutos.

Qual a relação entre sono e alimentação?

Alguma vez reparou que, nos dias em que dorme menos bem, tem tendência para comer maior quantidade de alimentos e a preferir mais doces ou salgados? Há uma explicação para isso.

Durante o sono são produzidas hormonas que ajudam a regular as sensações de fome e saciedade, e até os níveis de insulina no sangue. Quando os níveis destas hormonas são perturbados, também as funções que desempenham são afetadas. Ou seja, a privação de sono causa uma desregulação hormonal, podendo contribuir para uma maior ingestão calórica, sobretudo de alimentos ricos em gordura e hidratos de carbono e, particularmente, com sabor doce ou salgado. Por isso já sabe, se lhe apetece chocolates, batatas fritas, ou outros alimentos ricos em gordura ou açúcar com muita frequência, isso pode ser um indicador de que não está a dormir bem.

Enquanto o sedentarismo impacta negativamente a saúde, descansar e dormir bem têm o efeito oposto, já que a falta de sono está associada a um maior risco de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e obesidade.

O tipo de alimentos que ingere, sobretudo antes de dormir, também pode afetar a qualidade do sono. À noite deverá evitar refeições de difícil digestão, sobretudo se forem ricas em gordura, e produtos considerados estimulantes, como chocolate, açúcar ou alimentos/bebidas açucaradas, bebidas com cafeína ou bebidas alcoólicas. Conheça algumas dicas para reduzir as gorduras na alimentação e sugestões de substituição do açúcar.

Infografia sobre alimentação equilibrada e sono

Que alimentos ajudam a dormir bem?

Uma alimentação equilibrada pode ajudar a dormir bem e, mais uma vez, a dieta mediterrânica pode ser a nossa maior aliada, já que aconselha o consumo de vários alimentos que fornecem melatonina e triptofano, essenciais a uma boa noite de sono.

Melatonina e triptofano: o que são?

A melatonina é uma molécula responsável pela indução do sono. A sua produção é tendencialmente mais baixa durante o dia, aumentando à medida que anoitece em resposta à diminuição da exposição à luz. A melatonina é produzida pelo organismo a partir do triptofano, um aminoácido essencial obtido através da alimentação. No cérebro, o triptofano é convertido em serotonina que, por sua vez, com a ajuda de dois nutrientes importantes (magnésio e vitaminas do complexo B), dá origem à melatonina, que é libertada na corrente sanguínea.

Consumir alimentos que forneçam triptofano, especialmente à noite, pode ajudar a ter um sono de qualidade. Encontramos este aminoácido em laticínios, carne, pescado, cereais integrais, leguminosas, frutos oleaginosos e sementes. Também existem alimentos que nos fornecem diretamente melatonina, como milho, arroz, tomate, morangos, nozes e amêndoas.

Como ter uma boa higiene do sono

A higiene do sono é um conjunto de comportamentos e hábitos que promovem uma noite reparadora. Para dormir bem, experimente:

  • Manter um horário regular para dormir e para acordar;
  • Apanhar sol durante pelo menos 30 minutos por dia;
  • Evitar o consumo de bebidas alcoólicas ou com cafeína/teína (café, chá, refrigerantes de cola) cerca de quatro horas antes de dormir;
  • Praticar exercício físico regular (se possível evitando ser à noite);
  • Utilizar roupa de cama confortável;
  • Manter o quarto a uma temperatura agradável (à volta dos 20 °C) e bem ventilado;
  • Minimizar ruídos e luminosidade;
  • Limitar o uso aparelhos eletrónicos antes de dormir – a luz azul dos telemóveis desregula a produção de melatonina;
  • Colocar o telemóvel em “silêncio” e definir um período para não receber notificações;
  • Usar tampões para os ouvidos ou uma máscara para os olhos;
  • Fazer exercícios de relaxamento como yoga ou meditação;
  • Jantar cedo e, se necessário, fazer um snack ligeiro antes de dormir – um copo de leite ou um iogurte, por conterem triptofano, podem ser um boa opção;
  • Dormir 7 a 9 horas (tempo recomendado para adultos com mais de 18 anos).

Power nap

Uma power nap é, na verdade, uma sesta. Fazê-la ao longo do dia pode ter vários benefícios, como um maior sentido de alerta e melhorias no humor e na memória. Para evitar o efeito contrário (sonolência e maior reatividade), a power nap deve durar apenas entre 10 e 30 minutos.

Dica extra: Siga o projeto português O teu Mal é Sono, para saber mais sobre a importância de dormir bem e como o fazer. Caso sofra de insónias, não consiga controlar os seus impulsos alimentares ou experiencie qualquer outro sintoma relacionado com sono e alimentação, consulte um médico ou nutricionista.


Quanto à Bela Adormecida, a verdadeira questão é: depois de 100 anos a dormir, o que lhe terá apetecido comer quando acordou?

Bons son(h)os!

Algumas curiosidades sobre o sono